17 de dez. de 2013

Atividade 3 : no encalço de Irene


2° Fragmento do texto : Um escândalo na Boêmia



Sidney Paget, cortesia The Camden House
Sidney Paget, cortesia The Camden House
Precisamente às três horas do dia seguinte, estava eu na Baker Street, mas Holmes ainda não tinha voltado. A proprietária informou-me que ele saíra logo depois das oito horas. Sentei-me ao lado do fogo com a intenção de esperá-lo pelo tempo que fosse necessário. Tinha profundo interesse pelo caso, porque, embora isento das circunstâncias desagradáveis e estranhas ligadas aos dois crimes que já mencionei, a natureza do assunto e a posição elevada do seu cliente proporcionavam ao caso uma característica muito especial.
Além de tudo, a forma acertada como meu amigo tratava o assunto fazia com que eu tivesse prazer em estudar seu sistema e seguir os métodos rápidos e sutis com que desenredava os mais intrincados mistérios. Tão habituado estava eu ao seu invariável sucesso, que a mera possibilidade de ele falhar nunca me passou pela cabeça.
Eram quase dezesseis horas quando um empregado de aspecto beberrão, maltrapilho, barbado, com o rosto inchado e as roupas imundas, entrou no apartamento. Embora habituado ao poder maravilhoso que meu amigo tinha de se disfarçar, tive de olhar três vezes antes de ter a certeza de que era ele; com um aceno de cabeça, entrou no quarto, donde emergiu cinco minutos depois, vestido respeitavelmente com o habitual terno de casimira. Enfiando as mãos nos bolsos, estendeu as pernas diante do fogo e desatou a rir por alguns minutos.
— Bem, realmente — exclamou, e depois engasgou-se; riu-se outra vez, até que foi obrigado a encostar-se para trás na cadeira, exausto de tanto rir.
— O que é isso?
— É muito engraçado. Afianço-lhe que nunca poderá adivinhar como passei esta manhã, ou o que acabei de fazer.
— Não posso imaginar, mas suponho que andou espreitando os hábitos e talvez a casa da srta. Irene Adler.
— Certo, mas o resultado foi interessante. Vou lhe contar. Saí de casa pouco depois das oito, hoje de manhã, vestido de cocheiro, à procura de serviço. Há muita simpatia e maçonaria entre os cocheiros. Fingindo ser um deles pode-se saber tudo o que é necessário saber. Encontrei logo a Vila Briony. É uma casinha bijou, com uma horta atrás, mas a frente dá para a rua. Tem fechadura moderna na porta. Ao lado direito fica a vasta sala de estar, bem mobiliada, com janelas grandes que chegam quase ao chão e que qualquer criança poderia abrir com facilidade. Nos fundos não há nada de extraordinário, a não ser que, de cima da cocheira, pode-se chegar à janela do corredor. Dei uma volta ao redor da casa e examinei-a bem, mas sem notar mais nada de interessante. Desci vagarosamente a rua, e reparei, enquanto esperava, que há uma fila de cocheiras numa viela para onde dá um dos muros do jardim. Ajudei os cocheiros a escovar e limpar os cavalos, e recebi de gratificação dois pence, um copo de cerveja, duas pitadas de tabaco e todas as informações de que precisava a respeito da srta. Adler, para não falar de coisas a respeito de meia dúzia de pessoas das vizinhanças que não me interessavam mas cujas biografias fui obrigado a ouvir.
— E com referência a Irene Adler? — perguntei eu.
— Oh! Ela já virou a cabeça de todos os homens que andam por aí. É a pessoa mais refinada deste planeta, segundo dizem todos os empregados das cocheiras da Serpentine. Vive sossegadamente, cantando em concertos, sai a passeio de carro todos os dias às dezessete horas e volta às dezenove em ponto para o jantar. Tem só um visitante masculino, mas suas visitas são freqüentes. Ele é moreno, simpático e arrojado; vai visitá-la uma ou duas vezes por dia. Chama-se Godfrey Norton, e é advogado. Veja como é conveniente ter cocheiros por confidentes. Eles o levaram dúzias de vezes das cocheiras da Serpentine para a casa dele, e sabiam tudo a seu respeito. Depois de ter ouvido o que tinham para contar, comecei a passear outra vez perto da Vila Briony e a maquinar meu plano de campanha.
“Esse Godfrey Norton é, evidentemente, um fator importante no caso. É advogado. Isso é coisa séria. Que relações haverá entre eles? Será ela uma cliente, amiga ou apenas companheira? Se for cliente, deve, muito provavelmente, ter-lhe entregue a fotografia para guardar, mas só nesse caso. Conforme as circunstâncias, eu continuaria o meu trabalho na Vila Briony ou transferiria minha atenção para os alojamentos do cavalheiro. Sinto que o estou cansando com estes detalhes, mas é um ponto delicado, e tenho de expor-lhe minhas dificuldades para que você possa compreender a situação.
— Estou prestando atenção — respondi-lhe.
— Ainda estava cogitando nisso tudo, quando chegou um carro descoberto à residência, e dele saltou um jovem. Era atraente, moreno, nariz aquilino e usava bigode, evidentemente o homem de quem me haviam falado. Parecia estar com muita pressa, pois gritou para o cocheiro que esperasse e passou rapidamente pela empregada que lhe abrira a porta, com ar de pessoa familiarizada na casa.
“Permaneceu lá dentro meia hora, mais ou menos, e pude vê-lo através da janela da sala, andando, gesticulando e falando com grande excitação. Quanto a Irene, não a vi. Daí a pouco ele saiu, parecendo ainda mais apressado, e quando saltou para dentro do carro tirou do bolso um relógio de ouro e olhou-o com atenção.
— Corra como um raio — gritou —, e passe primeiro pela joalheria Gross & Hankey na Regent Street, e depois pela Igreja de Santa Mônica, na Edgware Road. Meia libra se o fizer em vinte minutos.
“Lá se foram, e estava eu pensando se não faria bem em segui-los quando começou a subir a viela uma carruagem vistosa, cujo cocheiro ainda não havia abotoado o paletó. Tinha a gravata torta, e as correias dos animais estavam mal colocadas e não afiveladas. Mal o carro parou, Irene correu da porta da casa para dentro dele. Só pude vê-la um instante, mas é linda, a espécie de mulher por quem um homem dá até a vida.
“— Para a Igreja de Santa Mônica, John — disse ela —, e meia libra se chegar lá em vinte minutos.
“Aquilo era bom demais, e eu não podia perdê-la, Watson; estava indeciso se devia segui-la colocando-me na traseira do mesmo veículo, quando passou outro carro. O cocheiro olhou-me duas vezes antes de me aceitar como passageiro, tão feio e maltrapilho eu estava, mas antes que me pudesse recusar, pulei para dentro e gritei: — Para a Igreja de Santa Mônica, e meia libra se chegar lá em vinte minutos. — Faltavam vinte e cinco minutos para o meio-dia, e era fácil perceber o que ia acontecer.
“Meu cocheiro simplesmente voou, e não me lembro de jamais ter viajado tão depressa, mas mesmo assim os outros já tinham chegado; os cavalos dos dois carros estavam cobertos de suor em frente à porta da igreja. Não havia outras pessoas além daquelas que eu seguira e do vigário, vestido com sua sobrepeliz de eclesiástico e que parecia discutir com eles. Estavam os três juntos em frente ao altar; fui andando vagarosamente pela nave como podia fazer qualquer vadio que tivesse entrado por acaso. De repente, para surpresa minha, os três se viraram para mim e Godfrey Norton veio correndo na minha direção.
“— Graças a Deus! — exclamou ele. — Você servirá. Venha! Venha!
“— Para quê? — perguntei eu.
“— Venha, homem, venha, por três minutos só, do contrário não será legal.
Sidney Paget, cortesia The Camden House
Sidney Paget, cortesia The Camden House
Fui meio empurrado até o altar e, antes de saber o que se passava, percebi que murmurava as frases que me eram proferidas aos ouvidos e prometia coisas que não compreendia. Assistia, praticamente, ao casamento de Irene Adler, solteira, e de Godfrey Norton, solteiro. Acabou-se tudo num instante, e de um lado estava o jovem, agradecendo-me, e de outro a jovem, enquanto o vigário sorria à minha frente. Foi a posição mais absurda em que jamais me achei, e foi a recordação disso tudo o que me fez rir agora. Parece-me que havia qualquer irregularidade quanto à licença de casamento, e que o clérigo se recusava a casá-los caso não houvesse testemunha. Minha chegada naquele momento salvou a desagradável situação de o noivo ter de sair para a rua à procura de uma testemunha. O rapaz deu-me uma libra, que pretendo usar presa à minha corrente de relógio como lembrança do fato.”
— Foi uma reviravolta inesperada nos fatos — disse eu. — Então, e depois?
— Bem, vi que meus planos estavam seriamente ameaçados. Parecia que o casal iria embora imediatamente, e portanto eu precisava agir pronta e energicamente. No entanto, à porta da igreja separaram-se, indo ele para o foro e ela regressando para casa. “Vou passear pelo parque como sempre às dezessete horas”, disse-lhe ela quando ia saindo. Não ouvi mais nada. Foram cada um para o seu lado, e eu vim preparar os meus planos.
— Quais são eles?
— Um pouco de carne fria e um copo de cerveja em primeiro lugar — disse ele, tocando a campainha. — Estive ocupado demais para me lembrar de comer, e é possível que esteja ainda mais ocupado à tarde. A propósito, doutor, vou precisar da sua cooperação.
Leia o texto na íntegra aqui
Perguntas:
1. Como Holmes conseguiu se aproximar da casa de Irene Adler sem ser percebido?
2.Por que possíveis razões ele escolheu os cocheiros para levantar informações sobre Irene?
3. Ao chegar à casa de Irene, Holmes prestou especial atenção em detalhes como portas, fechaduras , janelas.
  •  Essa preoucupação sugere que Holmes tinha intenção de fazer oquê?
  • Que relação poderia haver entre essa intenção e o pedido feito pelo grão-duque ?
4. Que intenções tem o narrador ao detalhar como Holmes riu e ao resgatar suas falas? Que imagem do detetive ele quer criar no leitor?

5. No texto, Holmes afirma que o súbito casamento e a possibilidade de o casal ir "embora imediatamente" ameaçavam seus planos. Por que o casamento poderia representar uma ameaça?

6. Que informação importante Holmes ouviu de Irene e como isso pôde ajudá-lo?

7. Que hipóteses você tem sobre o plano de Holmes? Como Watson poderá colaborar?

Perguntas retiradas do livro Singular e Plural, editora Moderna

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