17 de dez. de 2013

Atividade 4: a estratégia de Sherlock


3° Fragmento do texto : Um Escândalo na Boêmia


— Depois que a sra. Turner trouxer a bandeja, explico-lhe tudo. Agora — disse ele, enquanto se virava para comer a comida simples que a hospedeira havia trazido —, preciso falar enquanto como, porque temos pouco tempo. São quase dezessete horas, e dentro de duas horas devemos estar em ação. A srta. Irene, isto é, sra. Norton, volta sempre do seu passeio às dezenove horas; temos de estar na Vila Briony à espera dela.
— E depois?
— Deixe isso por minha conta. Já resolvi o que se deve fazer. Há somente um ponto em que preciso insistir, Você não deve interferir, seja qual for o resultado. Compreende?
— Tenho de ficar neutro?
— E não fazer nada, absolutamente nada. Talvez surjam alguns aborrecimentos, mas não se meta; hão de acabar por me levar para dentro de casa. Quatro ou cinco minutos depois abrirão a janela da sala, e você deve colocar-se bem embaixo dela.
— Está bem.
— Fique olhando para mim, porque poderá ver-me lá de fora.
— Muito bem!
— Quando eu levantar a mão, assim, você atirará para dentro aquilo que vou lhe dar, e ao mesmo tempo dará o alarme de “fogo”. Está entendido?
— Perfeitamente.
— Não é nada de perigoso — prosseguiu ele, tirando do bolso um objeto em feitio de charuto —, é simplesmente um rojão comum que os encanadores usam, selado em cada ponta para torná-lo automático. Seu trabalho é apenas esse. Quando gritar “fogo”, várias pessoas repetirão o grito. Então vá até o fim da rua, onde irei ter com você dentro de dez minutos. Posso estar certo de que esclareci bem tudo?
— Permaneço neutro e aproximo-me da janela para olhar para você e, ao ver o tal sinal, lanço janela adentro este objeto, dou alarme de incêndio e vou esperá-lo na esquina da rua.
— Justamente.
— Então pode contar comigo.
— Excelente. Creio que já está na hora de me preparar para a parte que me cabe.
Sidney Paget, cortesia The Camden House
Sidney Paget, cortesia The Camden House
Desapareceu no quarto, e poucos minutos depois voltou vestido como um amável sacerdote. O chapéu preto de aba larga, as amplas calças, a gravata branca, o sorriso simpático e uma aparência geral de curiosidade benevolente e compenetrada eram tais que só o sr. John Hare os poderia ter igualado. Não era apenas que Holmes tivesse trocado de roupa; sua expressão, seu modo, sua própria alma pareciam transformar-se em cada novo papel que representava. O palco perdeu um excelente ator, assim como a ciência perdeu um ativo investigador quando ele se tornou especialista em criminologia.
Eram dezoito horas e trinta quando partimos da Baker Street. Faltavam ainda dez minutos para a hora marcada quando chegamos à Serpentine Avenue. Já era a hora do lusco-fusco, e as lâmpadas das ruas começavam a ser acesas enquanto passávamos em frente da Vila Briony, à espera da sua moradora. Era uma casa igual à que eu tinha imaginado pela descrição sucinta que Holmes me havia feito, mas o local não era tão isolado como eu esperava. Pelo contrário, para uma rua pequena com vizinhança sossegada, achei-a muito animada. Havia um grupo de homens pobremente vestidos, fumando e rindo numa esquina, um amolador de facas com sua maquineta, dois guardas namorando uma empregada e diversos jovens bem-vestidos que caminhavam descuidadamente, de charuto na boca.
— Como vê — disse Holmes, enquanto passávamos em frente à casa —, este casamento simplifica um pouco o caso. Agora a fotografia torna-se uma arma de dois gumes. Talvez Irene seja contra a divulgação da fotografia, pois se for vista por Godfrey Norton, o caso é igual ao do nosso cliente, isto é, é como se fosse vista pela princesa. Agora a questão é esta: onde encontraremos a fotografia?
— É mesmo, onde a encontraremos?
— Ela não deve trazê-la consigo, porque é de um tamanho grande. Grande demais para ser escondida na roupa de uma mulher. Ela também sabe que o rei é capaz de lhe armar uma emboscada e mandar examinar tudo o que leva. De fato, já fizeram isso por duas vezes. Portanto, sabemos que não a traz consigo.
— Mas, então, onde a deixa?
— Entregue ao banqueiro ou ao advogado. Há essa dupla possibilidade. Mas não acredito nela. As mulheres são muito dissimuladas e têm uma forma particular de guardar segredos. Por que haveria ela de entregar a fotografia a outra pessoa, se se sente competente para guardá-la? Além disso, não se esqueça de que ela pretende utilizar a fotografia daqui a poucos dias. Deve estar onde possa ser apanhada facilmente. Deve estar em sua própria casa.
— Mas já tentaram roubá-la duas vezes.
— Que importa! Não souberam procurar.
— Mas como você vai procurá-la?
— Eu não vou.
— Então o que pretende fazer?
— Vou fazer com que ela me mostre onde está.
— Ela se recusaria a isso, com certeza.
— Não será possível. Mas, escute, ouço o rodar do carro dela. Agora cumpra as minhas ordens.
Sidney Paget, cortesia The Camden House
Sidney Paget, cortesia The Camden House
Enquanto falava, a luz das lâmpadas do carro surgiu à curva da avenida. Era um carrinho bonito o que parou diante da Vila Briony. Ao parar, um dos ociosos da esquina avançou para abrir a porta, à espera de receber uma moeda, mas foi empurrado por outro dos vagabundos que correra no mesmo instante, com a mesma intenção. Houve uma luta feroz, engrossada pêlos dois guardas, que apoiaram um dos brigões, e pelo amolador, que resolveu apoiar o outro. Houve uma cacetada, e num instante a dama que descera do carro estava no centro de uma roda de homens que lutavam uns contra os outros a socos e cacetadas. Holmes correu em direção à jovem para protegê-la, mas justamente no instante em que chegou perto dela deu um grito e caiu ao chão, o sangue a escorrer-lhe pela face. A queda foi devida a terem os guardas corrido numa direção e os contendores na outra, enquanto um número de pessoas bem-vestidas que tinham presenciado a luta sem se intrometer se aproximaram para ajudar a senhora e o homem ferido. Irene Adler, como ainda a chamarei, tinha subido correndo os degraus; porém, uma vez lá em cima, com sua figura esbelta em silhueta e contra as luzes do hall, virando-se para a rua, perguntou:
— Está muito ferido o pobre homem?
— Está morto — gritaram vários dos presentes.
— Não, não, ainda está vivo — bradou outro —, mas morrerá antes que possa chegar a um hospital.
— É um homem corajoso — disse uma mulher. — Teriam tirado o relógio e a bolsa da senhora se não fosse ele. Foi um bando de malvados. Ah! Já está respirando?
— Mas ele não pode ficar deitado na rua. Podemos levá-lo para dentro, senhora?
— Certamente. Tragam-no para a sala de estar, onde há um sofá confortável. Por aqui, façam o favor.
Vagarosa e solenemente, levaram-no para dentro da Vila Briony e deitaram-no na sala, num sofá, enquanto eu observava os acontecimentos, do meu lugar perto da janela.
Acenderam-se as lâmpadas, mas as cortinas continuavam abertas, e assim pude ver Holmes deitado no sofá. Não sei se ele teve vergonha da farsa, mas sei que nunca me senti tão envergonhado de mim próprio como quando vi aquela criatura, contra quem conspirávamos, ajudar o homem ferido com tanta graça e bondade. Todavia, era uma traição das piores abandonar Holmes agora. Portanto, endureci meu coração e peguei o foguete que trazia debaixo da capa. Em todo caso, pensei, não queremos prejudicá-la, estamos apenas fazendo o possível para que não prejudique outra pessoa.
Holmes erguera-se no sofá, e vi-o fazer um sinal como se quisesse mais ar. Uma empregada atravessou a sala correndo e abriu a janela. No mesmo instante vi-o levantar a mão e, a este sinal, atirei meu foguete para dentro da sala, com o grito de “fogo!” Mal a palavra saiu dos meus lábios, a multidão de espectadores, os elegantes e os malvestidos — cavalheiros, cocheiros e empregadas — uniram suas vozes num só grito: “Fogo!” Rolos de fumaça ondulavam pela sala e para fora da janela. Vi num relance vultos alarmados correndo, e um momento depois ouvi a voz de Holmes dizendo que era um alarme falso. Esgueirando-me através da multidão que gritava, fui até a esquina da rua, e dez minutos depois alegrei-me ao sentir Holmes pegar no meu braço. Estava aliviado por poder abandonar aquela cena barulhenta. Ele andou depressa e em silêncio por alguns minutos, até que entramos numa das ruas calmas em direção à Edgware Road.
— Fez tudo muito bem feito, doutor — disse-me ele. — Não podia ter sido melhor. Está tudo bem.
— Tem a fotografia?
— Já sei onde está.
— E como a descobriu?
— Ela a mostrou para mim, como eu lhe disse que havia de fazer.
— Não compreendo.
— Não quero fazer mistério — disse ele, rindo. — O caso foi muito simples. Com certeza percebeu que todos os que lá estavam eram cúmplices. Foram todos contratados para a ocasião.
— Calculei isso.
— Então, quando o barulho começou, eu tinha um pouco de tinta vermelha na mão. Corri para a frente e caí, bati no rosto com a mão e transformei-me num pobre ferido. É um truque velho.
— Isso também percebi.
— Levaram-me para dentro. Ela não podia deixar de permitir que o fizessem, não é verdade? E fui para aquela sala onde suspeitei que estava a fotografia. Deitaram-me no sofá, eu pedi ar, abriram a janela, e você teve a sua oportunidade.
— Como é que isso o ajudou?
— Era muito importante. Quando uma mulher pensa que a casa está pegando fogo, instintivamente corre para salvar o objeto mais precioso que possui. É um impulso perfeitamente irresistível, e eu tenho me aproveitado desse fato mais de uma vez. No caso do escândalo de Darlington, foi de grande utilidade, e também me serviu no problema do Castelo de Arnsworth. A mulher casada corre em auxílio do filhinho, a solteira pega a caixa de jóias. Para mim, nossa cliente de hoje não tinha nada que estimasse mais do que aquilo que procuramos. Tentaria salvá-lo. O alarme foi muito bem-feito. A fumaça e os gritos foram suficientes para enervar um cérebro de aço. Ela reagiu magnificamente. A fotografia está num armariozinho atrás de um painel, por cima do cordão da campainha, à direita. Ela chegou lá num instante, e percebi que ia retirá-la. Mas quando gritei que era alarme falso, ela a repôs no armário, olhou para o rojão queimado, saiu da sala e não a vi mais. Levantei-me e, pedindo desculpas, deixei a casa, hesitando ainda sobre se devia procurar obter logo a fotografia, mas o cocheiro tinha entrado e, como me olhava fixamente, pareceu-me melhor esperar. A precipitação poderia arruinar tudo.
— E agora? — perguntei eu.
— Nossa busca está praticamente terminada. Farei uma visita à senhora, na companhia do rei e na sua, se quiser nos acompanhar. Introduzir-nos-ão na sala de estar para aguardarmos a senhora, mas é possível que quando ela entrar não nos encontre, nem à fotografia. Será uma satisfação para Sua Majestade recuperá-la por suas próprias mãos.
— A que horas fará essa visita?
— Às oito da manhã. Ela ainda não terá levantado, e assim teremos o campo livre. Além disso, precisamos não perder tempo, porque este casamento pode modificar completamente a vida dela e os seus hábitos. Vou telegrafar ao rei sem demora.
Sidney Paget, cortesia The Camden House
Sidney Paget, cortesia The Camden House
Chegamos à Baker Street e paramos à porta. Ele procurava a chave no bolso quando alguém que passava disse:
— Boa noite, sr. Sherlock Holmes.
Havia diversas pessoas na calçada no momento, mas o cumprimento parecia ter partido de um rapazinho vestido com uma capa, que passou apressadamente.
— Já ouvi aquela voz — disse Holmes, perscrutando a escuridão da rua. — Quem terá sido?
Leia o texto na íntegra aqui

Perguntas:
1. O plano que você tinha imaginado que Holmes criara se aproximou do plano que ele de fato elaborou?
2. As observações que Holmes tinha feito na primeira visita foram importantes para o plano de agora? Justifique.
3. Releia.
Quatro ou cinco minutos depois abrirão a janela da sala, e você deve colocar-se bem embaixo dela.

Quando gritar “fogo”, várias pessoas repetirão o grito. Então vá até o fim da rua, onde irei ter com você dentro de dez minutos.
  Esgueirando-me através da multidão que gritava, fui até a esquina da rua, e dez minutos depois alegrei-me ao sentir Holmes pegar no meu braço.
  • O que foi destacado em cada trecho? 
  • O Que essa marcação sugere sobre o planejamento de Holmes e a realização de seu plano?

 4. Leia o verbete de dicionário:
Estereótipo : s.m. Comportamento desprovido de originalidade que, faltando adequação à situação presente, se caracteriza pela repetição automática de um modelo anterior, anônimo ou impessoal.
Arte Gráfica. Forma de impressão em que os caracteres estão fixos e estáveis, clichê, matriz.
Que se adapta ao padrão de uma normalidade já fixada.
Padrão estabelecido pelo senso comum (de um pensamento compartilhado) e baseado na ausência de conhecimento sobre o assunto em questão.
Concepção baseada em ideias preconcebidas de algo ou alguém, sem o seu conhecimento real, geralmente de cunho preconceituoso e/ou repleta de afirmações gerais, construída sobre inverdades.
Algo desprovido de originalidade e repleto de clichês. 
(Etm. estereo + tipo) Fonte :Dicio.com

  • Pode-se afirmar que parte do plano de Holmes se apoia em visões estereotipadas sobre a mulher. Localize as passagens em que isso ocorre.
5. Releia.
— Ameaça mandar-lhe a fotografia. E o fará. Sei que o fará. O senhor não a conhece; tem uma alma de aço. O rosto da mais bela das mulheres e a mentalidade dos homens mais resolutos.O alarme foi muito bem-feito. A fumaça e os gritos foram suficientes para enervar um cérebro de aço. Ela reagiu magnificamente.  

  • O que você acha que Holmes parece insinuar ao retomar a mesma  expressão do grão-duque nesse novo contexto?
6. Holmes tem certeza de que o caso está praticamente encerrado. E você, o que acha? Ele conseguirá pegar a fotografia? Por quê?

7. Você já sabe que um bom conto de enigma, como uma boa partida de xadrez, exige atenção e detalhes. O narrador deixou uma pista de que nem tudo está tão sob controle como Holmes imagina. Há algum acontecimento aparentemente solto, que ficou sem explicação no último trecho que você leu?

Fonte: Perguntas retiradas do livro Singular e Plural, Editora Moderna


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